O sistema de precedentes no Código de Processo Civil brasileiro: fundamentos, aplicação e desafios
- por Rafael Chacón
- 19 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de set.
O Código de Processo Civil de 2015 introduziu, de maneira expressa, o sistema de precedentes obrigatórios no ordenamento jurídico brasileiro, conferindo aos tribunais o dever de observar decisões vinculantes em nome da segurança jurídica, da isonomia e da eficiência processual.
INTRODUÇÃO
A promulgação do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) representou um marco paradigmático na estrutura processual brasileira ao adotar, de forma sistemática, o modelo de precedentes vinculantes. Inspirado no common law, o novo modelo busca garantir estabilidade, coerência e integridade às decisões judiciais, consagrando os princípios da segurança jurídica e da igualdade.
FUNDAMENTOS E PREVISÃO LEGAL
O sistema de precedentes encontra amparo nos artigos 926 a 927 do CPC/2015. O art. 926 impõe aos tribunais o dever de manter jurisprudência estável, íntegra e coerente. Já o art. 927 enumera os precedentes de observância obrigatória:
"Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do STF e do STJ em matéria constitucional e infraconstitucional, respectivamente;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados."
Tais disposições revelam um compromisso com a uniformização da jurisprudência e com a racionalização do processo, especialmente diante da litigiosidade em massa.
DISTINÇÃO ENTRE PRECEDENTES E JURISPRUDÊNCIA
É fundamental distinguir precedente judicial da mera jurisprudência reiterada. O precedente, enquanto fonte de direito no CPC/2015, nasce de decisão tomada sob determinadas condições procedimentais (como os repetitivos ou o IAC), com efeitos normativos vinculantes. Já a jurisprudência reiterada, embora persuasiva, não possui a mesma força obrigatória.
TÉCNICAS DE APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES: DISTINGUISHING E OVERRULING
A operacionalização do sistema exige a adoção de técnicas como o distinguishing, que permite afastar o precedente em razão de distinções fáticas relevantes, e o overruling, pelo qual o tribunal revê seu entendimento anterior por razões de política jurídica, devendo fazê-lo com justificação reforçada e, quando possível, efeitos prospectivos (modulação temporal).
INSTRUMENTOS PROCESSUAIS RELACIONADOS
O CPC/2015 dispõe de mecanismos processuais voltados à formação, revisão e aplicação dos precedentes. Destacam-se:
· Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – Art. 976 e seguintes
· Incidente de Assunção de Competência (IAC) – Art. 947
· Julgamento de recursos repetitivos – Arts. 1.036 a 1.041
· Reclamação constitucional – Art. 988, para garantir a observância de precedentes obrigatórios
Tais instrumentos conferem efetividade ao sistema e evitam decisões conflitantes em casos idênticos.
A VINCULAÇÃO DOS JUÍZES E A FUNDAMENTAÇÃO QUALIFICADA
O art. 489, § 1º, VI do CPC determina que não se considera fundamentada a decisão judicial que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". Esse dispositivo impõe ao julgador o dever de enfrentar expressamente os precedentes obrigatórios, promovendo a cultura da argumentação racional.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Apesar do avanço normativo, a consolidação do sistema enfrenta desafios:
· Resistência cultural de parte da magistratura à vinculação a precedentes
· Falta de uniformidade na aplicação de técnicas como distinguishing
· Insuficiente clareza na identificação do ratio decidendi
· Dificuldades de acesso e sistematização dos precedentes nos tribunais de instâncias inferiores
Tais obstáculos demandam investimentos em formação dos operadores do Direito, fortalecimento dos núcleos de jurisprudência e desenvolvimento de bases jurisprudenciais acessíveis e inteligentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema de precedentes no CPC/2015 marca um novo paradigma no Direito Processual brasileiro. Trata-se de uma mudança não apenas normativa, mas também cultural, exigindo dos tribunais maior responsabilidade institucional e dos juristas, uma nova postura argumentativa. Se bem implementado, esse modelo pode ser um poderoso instrumento para garantir previsibilidade, celeridade e justiça material nas decisões judiciais.


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